A EUCARISTIA, DOM DE DEUS AO SEU POVO
“Mistério da fé”
A Eucaristia, mistério da fé
28. Com esta expressão o sacerdote que preside à Eucaristia proclama maravilhado a fé da Igreja no Senhor ressuscitado, realmente presente sob as espécies do pão e do vinho, transformados pela graça do Espírito Santo no Corpo e no Sangue do Senhor Jesus.
É conhecida a insistência do magistério conciliar sobre a Eucaristia como centro e coração da vida da Igreja e, antes de mais, como mistério da fé, desígnio de Deus revelado em Jesus Cristo. Deus que Se oferece Ele próprio a nós, que está connosco, é dom e mistério de inefável riqueza, dom e mistério que continuamente se devem descobrir. O Mysterium fidei é Deus que Se dá a nós, o Primeiro, o Último e o Vivente que entra no tempo. O Senhor Jesus é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus no meio de nós; é o Filho de Deus e o Filho do Homem.
Um conhecido texto do Concílio Vaticano II responde ao interrogativo sobre a fé e sobre o mistério: “O mistério do homem só se compreende verdadeiramente no mistério do Verbo Incarnado […]. Cristo, na mesma revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta perfeitamente o homem ao próprio homem e descobre-lhe a sublimidade da sua vocação”.[49]
A palavra mistério aparece, na citada passagem, três vezes, condensando a verdade sobre Cristo e a verdade sobre o homem. O mistério do Verbo, o mistério do Pai e o mistério do homem deixam de ser um enigma insolúvel para encontrarem resposta em Jesus Cristo, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Tornando-se “verdadeiramente um de nós” e estando unido “de certa maneira a todo o homem”,[50] Ele abriu a quantos o queiram encontrar o caminho que leva ao sentido pleno da existência. Não se alheou do humano, mas completou a verdade da criação, porque “trabalhou com mãos humanas, pensou com uma mente humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano”.[51] João Paulo II havia retomado esse tema na sua primeira Encíclica, Redemptor hominis,[52] como a querer fazer dele o programa da Igreja, chamada a deduzir da verdade sobre Cristo a verdade sobre o homem, que se encontra no próprio Evangelho.
29. O facto e mistério da incarnação, morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo, que permite ao homem participar na vida divina, está presente na Eucaristia, pão de vida eterna, porque traz em si a força de vencer a morte. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54). A ressurreição é, portanto, a permanente fonte de sentido oferecida à humanidade.
A Eucaristia é, por conseguinte, o centro do anúncio que os cristãos, há dois mil anos, levam ao mundo: Jesus, o crucificado, de morto que era, voltou à vida e disso somos testemunhas (cf. 1 Cor 15,3-5).
A Eucaristia anuncia a morte de Cristo que, na sua dramaticidade, todos podem compreender, mas, ao mesmo tempo, também proclama a sua ressurreição, que exige fé e abertura para acolher Deus na nossa existência. A fé é o novo estilo de vida que nasce da Eucaristia e traz em si mesma o sentido último e definitivo do esperar pela vinda do Senhor.
Sem a fé, não se pode celebrar nem viver a Eucaristia, como lembra o trinómio fé-liturgia-vida, tão frequente nos planos pastorais. Sem a fé, não se pode sequer pôr a questão da participação activa na liturgia.
A Eucaristia, nova e eterna aliança
30. Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, citando Santo Ireneu: “A Eucaristia é o resumo e a suma da nossa fé: ‘A nossa maneira de pensar concorda com a Eucaristia e a Eucaristia, por sua vez, confirma a nossa maneira de pensar’”.[53] Como não ver realizada aqui a aliança com Deus, de que o homem precisa para viver; a aliança da fé? “Se não acreditardes, não vos mantereis firmes” (Is 7,9b) – diz o Senhor. A Eucaristia é a aliança nova e eterna, o pacto e o testamento que Jesus deixou no sacramento do seu corpo e sangue.
Com efeito, a Igreja inteira exprime na Eucaristia a sua fé: depois de ter escutado a Palavra, professa-se a fé no mistério eucarístico, revelação e dom do próprio Deus em Jesus, que leva os cristãos à doação plena e perfeita de si mesmos. Sobretudo na Eucaristia, fé significa reconhecer e acolher Jesus Cristo como num encontro, em que a pessoa do fiel se envolve totalmente, a exemplo de Maria, modelo de fé plenamente realizada.
A fé e a celebração da Eucaristia
31. As respostas aos Lineamenta põem em realce as características da fé como condições necessárias para celebrar a Eucaristia. Nela, se manifesta o primado da graça de Deus, que está sempre na origem de tudo e, com o dom do Espírito Santo, leva-nos a acolher a sua acção misteriosa no sacramento para a transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Jesus e para a nossa santificação. Se se vai à liturgia eucarística sem acreditar na graça e sem, pelo menos, ter o desejo de estar em estado de graça, não se dá participação adoradora em espírito e verdade.
Na Eucaristia proclama-se a verdade da Palavra de Deus que Se revelou em Jesus, Verbo feito carne, que traz em Si a realização última da história humana. Se se vai à liturgia da Eucaristia com dúvidas, em vez de com a aceitação da verdade, não se dá verdadeira participação.
O dom da liberdade que o Criador fez à sua criatura faz com que a fé seja um acto livre de adesão à pessoa de Jesus, caminho, verdade e vida (cf. Jo 14,6). Na liturgia da Eucaristia, Jesus dá-Se a conhecer, mas, ao mesmo tempo, permanece oculto para levar a razão e a inteligência do crente a procurá-l’O constantemente e, assim, encontrá-l’O presente na vida. Tal é a acção do mistério a que a liturgia conduz, cada vez com mais profundidade. Os Padres chamavam-na mistagogia.
O amor actua e completa a fé, como dizem os apóstolos Tiago e Paulo (cf. Tg 2,14 ss; Rom 13,10; Gal 5,6). A fé muda o coração do crente, converte-o e abre-o ao amor. A fé e o amor, juntamente com a esperança, fundam o ser cristão. A Eucaristia é o sacramento do amor, que abre o homem ao amor e permite-lhe encontrar a sua origem e razão de ser. Sem ágape, não há vida no Espírito.
Todas estas características levam a participação à sua expressão mais elevada, que é a de cumprir a vontade de Deus, como se pede na oração do Pai nosso, em vista da plenitude da Comunhão. Pode-se certamente participar na Missa, mesmo não estando em condições de se abeirar da Comunhão, mas sempre com o desejo e a vontade de reavê-las quanto antes.
A fé pessoal e eclesial
32. A comunhão com Cristo e com a Igreja faz com que a dimensão pessoal da fé tenda constantemente para a dimensão eclesial, precisamente como faz a liturgia desde a profissão de fé baptismal. Por isso, sem Baptismo, não se tem acesso à Eucaristia, que pressupõe a fé. Assim, se com o pecado vier a perder-se a graça baptismal, requer-se o baptismo ‘laboriosus’, ou seja a Penitência, para voltar à Eucaristia.
Antes da Eucaristia, renova-se a profissão de fé, vínculo imprescindível que atesta a comunhão de cada Igreja particular com as demais Igrejas locais espalhadas pelo mundo e, em primeiro lugar, com a Igreja de Roma e o seu Bispo, princípio indispensável da unidade. O mesmo se faz na anáfora, quando se proclamam os díticos. Na Eucaristia, exprimimos a fé pessoal e eclesial.
A participação na Eucaristia afina a inteligência do mistério que envolve o homem e a sua vida, e ajuda o cristão a defender a própria fé diante de interpretações parciais ou erróneas. Não por nada, a liturgia é parte integrante do caminho de fé que dura a vida inteira.
O sentido global da fé colhe-se, sobretudo, no testemunho dos mártires que livremente aceitaram a morte infligida por ódio à fé, não raras vezes durante ou logo a seguir à celebração eucarística. Tinham eles a certeza de estar na verdade e de ter a vida, seguindo a Cristo, que Se ofereceu livremente, deixando na Eucaristia o memorial do seu sacrifício. Não há dúvida que, no martírio, a Eucaristia manifesta-se no mais alto grau como fons et culmen da vida e da missão da Igreja, como acontece em tantas Igrejas, que são alvo de perseguições abertas ou disfarçadas.
A percepção do mistério eucarístico entre os fiéis
33. As respostas aos Lineamenta acenam a uma certa diminuição da percepção do mistério celebrado. Nem sempre se compreendem plenamente o dom e o mistério da Eucaristia. O fenómeno apresenta-se, todavia, com diversas matizes, conforme os contextos culturais. Por exemplo, nos países onde reina um clima generalizado de paz e prosperidade, na maior parte ocidentais, muitos fiéis vêem o mistério eucarístico como cumprimento do preceito festivo e concebem-no como uma refeição fraterna. Já nos países dilacerados pela guerra e por dificuldades existenciais de vário género, nota-se uma mais profunda compreensão do mistério eucarístico na sua integralidade, inclusive na sua dimensão sacrificial. O mistério pascal celebrado de forma incruenta sobre o altar dá um sentido espiritual muito profundo aos sofrimentos dos cristãos católicos nessas terras, ajudando-os a aceitá-los com a participação no mistério da morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo.
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